Educação Profissional E Integração
INTRODUÇÃO
REFERÊNCIAS
_______. Congresso Nacional. Decreto 5.840, de 13 de julho de 2006.
_______. Ministério da Educação. Documento Base PROEJA. Brasília: MEC, 2006.
_______. Congresso Nacional. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 20 de dezembro de 1996.
LOPES, Eliana Marta. 500 anos de educação no Brasil. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
STEPHANOU, M; BASTOS, M.H.C. História e Memórias da Educação no Brasil-Século XX. Petrópolis, Vozes, 2005.
A visão do analfabeto como um indivíduo alienado, incapaz, ignorante, à margem das decisões da sociedade e do poder construída ao longo da nossa história, continua influenciando a maneira pela qual os poderes públicos tratam a questão da educação de jovens e adultos, sua inclusão na sociedade e inserção no mundo do trabalho. São várias investidas em campanhas e programas que não tiveram êxito pelo seu caráter emergencial, e na maioria das vezes assistencialista.
Este texto pretende percorrer a trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil do Período Colonial aos nossos dias, analisando as ações do poder público para com esta modalidade de ensino.
Para realizar esta análise, utilizamos como fonte a Lei Federal nº 9.394/96, o Decreto 5.840/2006, o Documento Base PROEJA/2006. e alguns livros trabalhados pela professora Iole Macedo Vanin na Disciplina Educação Profissional, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos no Brasil: Princípios e Concepções Político-Pedagógicas numa Análise Sócio-Histórica, no curso de Especialização – CEPROEJA – CEFET-Ba.
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
A educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil (...) é marcada pela descontinuidade e por tênues políticas públicas, insuficientes para dar conta da demanda potencial e do cumprimento do direito, nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Essas políticas são, muitas vezes, resultantes de iniciativas individuais ou de grupos isolados, especialmente no âmbito da alfabetização, que se somam às iniciativas do Estado. (Documento base PROEJA-2005)
Nos períodos de Colônia e Império, os jesuítas dominaram a educação, com a intenção de difundir o catolicismo e dar educação à elite colonizadora, a quem se oferecia uma educação humanística. Esse domínio compactuava com os interesses do regime político que visava à manutenção da ordem. Na Europa, com o crescente movimento da Reforma, paralelo às idéias modernas inspiradas no Iluminismo, a Companhia de Jesus tratou de afastar as atividades criadoras presentes naquele continente e, transmitia, em seus ensinamentos no Brasil, os severos dogmas católicos, o que possibilitou a destruição de culturas inteiras.
Pode-se afirmar que, desde a chegada dos portugueses ao Brasil, o ensino do ler e escrever aos adultos indígenas, ao lado da catequese constituiu-se de uma ação prioritária no interior do processo de colonização. Embora os jesuítas (...) priorizassem a sua ação junto às crianças, os indígenas adultos foram também submetidos a uma intensa ação cultural e educacional. (Stephanou, 2005a).
Os filhos dos colonos e os mestiços também recebiam instruções dos jesuítas, através dos subprodutos das escolas de ordenação criadas pelo Padre Manoel da Nóbrega. No séc. XVIII, os jesuítas contavam com 17 colégios e seminários, 25 residências e 36 missões, além dos seminários menores e das escolas de alfabetização presentes em quase todo o território.
Os colégios de formação religiosa abrigavam os filhos da elite; freqüentavam também os que não queriam se tornar padres, mas que não tinham outra opção a não ser seguir as orientações jesuíticas, que evoluíram para o plano de estudos da Companhia de Jesus, que articulava um curso básico de Humanidades com um de Filosofia seguido por um de Teologia, que, a depender dos recursos, culminava com uma viagem de finalização à Europa.
Segundo Stephanou (2005b), posteriormente, os jesuítas, assim como os membros de outras ordens religiosas, também catequizaram e instruíram escravos. Essas experiências, no entanto, foram menos estudadas e pouco se sabe sobre as práticas desenvolvidas junto a esses sujeitos. Por outro lado, poucas parecem ter sido as experiências educacionais realizadas com mulheres adultas. Poucas sabiam, ao final do período colonial, ler e escrever
A expulsão dos jesuítas e as reformas feitas Pelo Marquês de Pombal, não puseram fim à influência jesuítica no setor educacional, visto que os novos mestres-escola e os preceptores da aristocracia rural foram formados pelos jesuítas; e os mestres leigos das aulas e escolas régias se mostraram incapazes de incorporar a modernidade que norteava a iniciativa pombalina. O processo de substituição dos educadores jesuítas durou treze anos, período em que a uniformidade de sua ação pedagógica foi substituída pela diversidade das disciplinas isoladas. De algum modo, a saída dos jesuítas estabeleceu o ensino público no Brasil.
O Estado passou a controlar financeira ideologicamente a educação, com recursos do Subsídio Literário, porém, teve que conviver com a perpetuação das características da educação colonial jesuítica, já que os novos mestres-escola e os preceptores da aristocracia rural haviam sido formados por jesuítas, e os mestres leigos das aulas e escolas régias não conseguiram acompanhar a modernidade que norteava a iniciativa pombalina.
Stephanou (2005c), relata que período que se segue à expulsão dos jesuítas parece não ter conhecido experiências sistemáticas e significativas em relação à alfabetização de adultos. A ênfase pombalina estava no ensino secundário, organizado através do sistema de aulas régias.
No Seminário de Olinda, fundado em 1800 pelo bispo de Olinda, José Joaquim de Azeredo Coutinho, os futuros padres estudavam matemática e ciências, com o objetivo de se tornarem mais responsáveis diante dos problemas da vida social e urbana do País.
Tanto no período jesuítico como no pombalino, a maioria da população não tem acesso à educação formal. O panorama educacional começou a mudar positivamente com a chegada da Corte Portuguesa, em 1808. Objetivando atender as expectativas de um governo imperial, foram criados vários cursos, tanto profissionalizantes em nível médio como em nível superior, bem como militares. Implantou-se o ensino superior – Curso de Cirurgia na Bahia e o Curso de Cirurgia e Anatomia no Rio de Janeiro (1808) e, mais tarde, o Curso de Medicina no Rio de Janeiro.
Estruturado em três níveis: primário – “escola de ler e escrever” -; secundário – “aulas régias” com o acréscimo de novas “cadeiras” – e superior, o ensino no Império era privilégio da elite política. As chamadas “camadas inferiores da sociedade” continuavam alijadas do processo educacional formal. Num país de 14 milhões de habitantes, com cerca de 85% de analfabetos, as iniciativas realizadas no interior do sistema formal eram inferiores, em números, às experiências domésticas e não-formais. “No caso dos adultos, pareciam se multiplicar, sobretudo no espaço urbano” (Stephanou, 2005d).
Por muitos séculos, o ensino no Brasil só se constitui objeto de atenção em seus decretos e leis. A Constituição de 1824, por exemplo, em seu tópico específico para a educação, inspirava um sistema nacional de educação, o que na prática tal fato não se efetivou. O método mútuo, adotado pela lei de outubro de 1827, refletia a desarmonia entre as necessidades educacionais e os objetivos propostos. Nele atuavam pessoas despreparadas revelando a insuficiência de professores, de escolas e de uma organização mínima para a educação nacional.
Durante todo o período imperial houve diversas discussões nas assembléias provinciais, acerca do modo como se dariam os processos de inserção das denominadas “classes inferiores” da sociedade nos processos formais de instrução.
O Ato Adicional de 1834 delegou a responsabilidade da educação básica às Províncias e reservou ao governo imperial os direitos sobre a educação das elites (no Rio de Janeiro e a educação de nível superior). Nessa estrutura, a exceção ficou com o Colégio Pedro II; este, sob a responsabilidade do poder central, deveria servir de modelo às escolas provinciais.
Grande parte das províncias formulou políticas de instrução para jovens e adultos. O documento da Instrução Pública do período faz várias alusões a aulas noturnas ou aulas para adultos em várias delas, a exemplo do Regimento das Escolas de Instrucção Primária em Pernambuco, 1885, que traz com detalhes a prescrições para o funcionamento das escolas destinadas a receber alunos maiores de quinze anos.
O ensino para adultos poderia ser ministrado pelos professores que se dispusessem a dar aulas noturnas de graça, fazendo parecer que este era uma missão; foi criada uma espécie de rede filantrópica das elites para a “regeneração” do povo. Pretendia-se, através da educação, civilizar as camadas populares, vistas como perigosas e degeneradas.
A Lei Saraiva, de 1881, que determinava eleições diretas, foi a primeira a colocar impedimentos, ao lado de outras restrições, como a de renda, aos votos dos analfabetos, reforçando a concepção do analfabeto como ignorante e incapaz.
Para José Honório Rodrigues (1965, apud Stephanou, 2005e), até o final do Império não se havia colocado em dúvida a capacidade do analfabeto, já que era essa a condição da maioria da população, inclusive das elites rurais. A partir desse momento começaram a circular discursos identificando o analfabeto à dependência e incompetência para justificar o veto ao voto do analfabeto.
As mobilizações da sociedade em torno da alfabetização de adultos foram abundantes nas primeiras décadas do século XX, em grande parte, geradas pela vergonha dos intelectuais, com o censo de 1890, que constatou que 80% da população brasileira era analfabeta. Surgiram as “ligas”, que se organizaram no interior, a exemplo da Liga Brasileira Contra o analfabetismo, em 1915, no Rio de Janeiro.
Entre as várias mobilizações, surgiu o método de desanalfabetização, desenvolvido por Abner de Brito, que propunha alfabetizar em sete lições. Havia uma disposição de vários segmentos da sociedade de mudar o quadro “vergonhoso”, visando a estabilidade da república. Todo o empenho para alfabetizar os adultos não evitou as críticas, como a de Carneiro Leão, que considerava a alfabetização uma arma perigosa, que poderia aumentar o que ele considerava anarquia social.
Paschoal Leme fez a primeira tentativa oficial de organizar o ensino Supletivo nas décadas de 30 e 40, ao mesmo tempo em que surgiram experiências extra-oficiais na alfabetização de adultos, como o uso da Literatura de Cordel e a carta de ABC.
A primeira Lei Orgânica do Ensino Primário (1946) trata da construção de material pedagógico apropriado, guia de leitura e alfabetização. O apelo para o engajamento voluntário e a falta de acúmulo de experiências que dessem suporte às ações governamentais, contribuíram para que a campanha não obtivesse êxito.
Os movimentos de educação e cultura popular nas décadas de 50 e 60, em sua grande maioria foram inspirados em Paulo Freire, utilizando seu método, que propunha uma educação dialógica que valorizasse a cultura popular e a utilização de temas geradores. Esses movimentos procuravam a conscientização, participação e transformação social, por entenderem que o analfabetismo é gerado por uma sociedade injusta e não igualitária.
E 1963, Paulo Freire integrou o grupo para a elaboração do Plano Nacional de Alfabetização junto ao Ministério da Educação, processo interrompido pelo Golpe Militar, que reduziu a alfabetização ao processo de aprender a desenhar o nome. O Governo importou um modelo de alfabetização de adultos dos Estados Unidos, de caráter evangélico: a Cruzada ABC.
Com um conteúdo acrítico e material padronizado, além de não garantir a continuidade dos estudos, o Mobral– Movimento Brasileiro de Alfabetização - criado em 1967, foi mais um programa que fracassou.
Em 1985, na Nova República, nasceu a Fundação Educar, com o objetivo de acompanhar e supervisionar as instituições e secretarias que recebiam recursos para executar seus programas. Foi extinta em 1990, quando ocorreu um período de omissão do governo federal em relação às políticas de alfabetização de jovens e adultos. Contraditoriamente, a Constituição de 1988 estendeu o direito à educação para jovens e adultos.
"a educação é direito de todos e dever do Estado e da família..." (Artigo 205) e ainda, ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive sua oferta garantida para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. (Constituição Federal de 1988 - Artigo 208).
Em consonância com a Constituição, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece que “O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de ensino, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria”.(Artigo 4)
No seu artigo 37, refere-se à educação de jovens e adultos determinando que “A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”.No inciso 1º, deixa clara a intenção de assegurar educação gratuita e de qualidade a esse segmento da população, respeitando a diversidade que nele se apresenta.
Em 1996 foi lançado o PAS - Programa de Alfabetização Solidária - polêmico por utilizar práticas superadas, como o assistencialismo. Em 1998, com o objetivo de atender às populações nas áreas de assentamento, foi fundado o Pronera - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - e, em 2003, o governo Lula lançou o programa Brasil Alfabetizado, que dá ênfase ao voluntariado, apostando na mobilização da sociedade para resolver o problema do analfabetismo.
Observamos claramente que as políticas para o combate ao analfabetismo e a educação de jovens e adultos, em plenos anos 90, ainda se valem de ações que nos passado levaram ao fracasso os programas implantados.
A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
A formação da força de trabalho no Brasil foi influenciada pelo modelo econômico implantado no período Colonial, que classificava os ofícios fundamentado “na relação entre trabalho escravo e atividade inerente aos homens livres” (Santos, 2000a).Assim, verificou-se o afastamento dos indivíduos livres das as atividades exercidas pelos escravos - que demandavam a força física e a utilização das mãos – como uma maneira de mostrar sua posição privilegiada na sociedade; o que nos mostra que o preconceito com o trabalho manual foi gerado mais pelo fator social do que pela natureza da atividade em si.
O ensino das profissões relativas a trabalhos manuais era feito pelas Corporações de Ofícios - originadas nos Colégios de Roma - mas aqui no Brasil não se desenrolava como na Europa, onde dava-se através da integração de homens livres e escravos nos locais de aprendizagem, recebendo o mesmo tipo de formação e sujeitos às mesmas normas de tratamento e conduta no seu interior.
Aqui no Brasil as Corporações tinham normas rígidas de funcionamento, para dificultar ao máximo, ou até impedir o ingresso de escravos. A discriminação era explícita, e a diferenciação acontecia em função do ensino oferecido, centrado única e exclusivamente nos ofícios exercidos pelos homens livres. As exigências para a admissão acentuavam ainda mais o caráter depreciativo característico de determinadas ocupações, reforçando “o embranquecimento dos ofícios, na medida em que os homens brancos e livres procuraram preservar para si algumas atividades manuais.” (Santos, 2000b).
Esse processo discriminatório não teve maiores conseqüências em relação à disponibilidade de mão-de-obra, visto que o modelo econômico do Brasil no Século XVIII estava fundado no “pacto colonial” – comércio exclusivo das colônias para suas metrópoles; a economia se fundamentava no modelo agro-exportador imposto pelos portugueses, que se opunham à implantação de estabelecimentos industriais.
Entre 1706 e 1766 indústrias de vários ramos foram fechadas, sendo que em 1785, o Alvará de 5 de janeiro obrigou o fechamento de todas as fábricas, exceto as tecelagens de fazendas grossas de algodão usadas nas roupas dos negros.
Essa destruição industrial causou grande impacto no desenvolvimento do ensino de profissões, que em sua maioria eram absorvidas pelo setor secundário da economia.
Só com a chegada de D. João VI, em janeiro de 1808, foi retomado o processo de desenvolvimento industrial, iniciando uma nova era para a aprendizagem profissional. A recusa de alguns grupos sociais em exercer algumas profissões, fechamento de indústrias e a proibição de se construir novas unidades causaram a escassez de mão-de-obra em algumas ocupações; e a solução encontrada foi ensinar ofícios às crianças e jovens sem opções na sociedade, como os órfãos e desvalidos, que eram internados na santa casa de Misericórdia , arsenais militares ou na Marinha e colocados para trabalhar como artífices, ficando livres após alguns anos para escolher onde trabalhar.
A primeira iniciativa de D. João VI para atender às demandas de mão-de-obra – o Colégio de Fábrica no Rio de Janeiro – tinha o caráter assistencialista, com a finalidade explícita de abrigar os órfãos vindos com a família real e sua comitiva. As instituições de ensino profissional instaladas no Brasil tiveram como referência o Colégio de Fábrica. A princípio o ensino era dado fora do estabelecimento, e, posteriormente passou a ser ministrado no seu interior. Mais tarde foi adicionado o ensino das “primeiras letras”, seguido de todo o ensino primário.
As mudanças políticas processadas a partir da fundação do Império em 1822 e a ampliação das forças produtivas, de certo modo, interferiram no modelo de aprendizagem de ofícios que se fixou mais tarde no país. Porém, o conteúdo discriminatório permaneceu.
Os ideais da Revolução Francesa serviram de inspiração para a busca de um novo modelo educacional para ser implantado na sociedade, mas o ensino de ofícios não foi contemplado com uma mudança de status; continuou a mentalidade conservadora construída no período colonial: destinado aos humildes, pobres e desvalidos, dando continuidade ao caráter discriminatório em relação às ocupações antes atribuídas somente aos escravos. A Comissão da Assembléia Constituinte, ao apresentar o Projeto de Constituição para o Império, em 1823, reforçava esse pensamento conservador no seu artigo 234, que estabelecia a criação de estabelecimentos para a catequese e a civilização dos índios, e a emancipação lenta dos negros e sua educação religiosa e industrial.
Assim, a Constituição de 1824 só tratava o ensino profissionalizante de forma indireta, dando-lhe, de forma implícita, uma nova orientação, inviabilizando inclusive o funcionamento das Corporações de Ofícios.
O Projeto de Lei sobre a Instrução Pública no Império do Brasil foi a primeira ação concreta visando um nova organização à aprendizagem de ofícios, estabelecendo uma lei para organizar o ensino público em todo país, em todos os níveis.
O Projeto foi aprovado em 1827, estruturando o ensino em 1º, 2º e 3º graus e Nível Superior com a inclusão e obrigatoriedade da aprendizagem de costura e bordado para as meninas, e do desenho para os meninos.
A estruturação do ensino no Brasil foi um dos fatores que propiciou a intensificação da organização das Sociedades Civis, dirigidas pelos nobres, fazendeiros, comerciantes e funcionários da burocracia estatal, visando amparar os órfãos e proporcionar a oferta de aprendizagem das artes e ofícios, caracterizando, novamente, um caráter assistencialista e discriminatório. As mais importantes sociedades foram as que criaram os Liceus. Os Liceus de Artes e Ofícios eram instituições não-estatais cuja atividade principal era proporcionar à população a formação de mão-de-obra para atuar no mercado de trabalho, utilizando-se dos recursos do Estado para sua manutenção. O Liceu do Rio de Janeiro foi fundado em 1858, mas seus cursos do não permitiam o acesso aos escravos.
Vale ressaltar que o ensino de ofícios era orientado pela ideologia fundamentada na contenção do desenvolvimento de ordens contrária à ordem política, com o objetivo de evitar movimentos semelhantes aos dos trabalhadores da Europa, questionando as relações entre capital e trabalho, configuradas após a Revolução Industrial.
Com a proclamação da República em 1889, foi incorporado ao modelo vigente, um novo elemento ideológico, introduzido pelos padres salesianos: o ensino profissional como oposição ao pecado.
Apesar de o Brasil estar centrado em um modelo econômico agro-exportador, eram grandes as pressões para a industrialização:
A ideologia do desenvolvimento baseado na industrialização passou a dominar o debates em torno de um projeto para o país, para atingir o progresso, a independência política e a emancipação econômica. (Santos, 2000c).
Esse pensamento se converteu em medidas educacionais através do presidente Nilo Peçanha, com o decreto 7.566, de 23 de setembro de 1909, que criou as Escolas de Aprendizes e Artífices. Esse sistema era mantido pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria, com a finalidade de oferecer à população ensino profissional primário gratuito. Entre os critérios de admissão, estava a matrícula preferencial párea os “desfavorecidos da fortuna”.
Apesar de amparadas por dispositivo legal, as Escolas de Aprendizes e Artífices foram implantadas em prédios inadequados e oficinas com precárias condições de funcionamento. A falta de qualificação dos professores e de especialização dos mestres de ofícios influenciou diretamente na baixa eficiência que a rede das escolas apresentou, visto que o poder público recrutou professores do ensino primário para suprir a falta de profissionais qualificados, produzindo resultados insatisfatórios.
Apesar da rede de Escolas de Aprendizes e Artífices ter se consolidado como um modelo de ensino técnico-profissional no Brasil, devem-se considerar os altos índices de evasão no início de seu funcionamento.
O Marechal Hermes da Fonseca, que assumiu a presidência em 1910, através de pronunciamento, deixou clara a sua disposição de dar continuidade ao trabalho de seu antecessor Nilo Peçanha.
Particular atenção dedicarei ao ensino técnico-profissional, artístico, industrial e agrícola que a par da parte propriamente prática e imediatamente utilitária, proporcione também, instrução de ordem ou cultura secundária, capaz de formar o espírito e o coração daqueles que amanhã serão homens e cidadãos.
No plano das idéias se observa uma propensão de articular formação geral com a profissional de nível secundário, nas Escolas de Aprendizes e Artífices, o que se concretizou a partir das mudanças sofridas ao longo dos governos seguintes.
Os anos 30 vão delimitar claramente as mudanças na ordem política, econômica e social do Brasil: os grupos que promoveram a Revolução de 1930 optaram pelo modelo de desenvolvimento baseado na industrialização em larga escala, substituindo o modelo agro-exportador, que sofrera grandes impactos devido à crise do capitalismo internacional, no final dos anos 20.
As altas taxas de crescimento industrial a partir da década de 30, provocou mudanças na estrutura do Estado, que teve de infundir uma nova forma de organização, o que fez com fossem adotadas novas estratégias para a preparação da força de trabalho: são orientadas políticas na área educacional objetivando atender às demandas da industrialização e do grande crescimento da população urbana, iniciando com a criação do Ministério da Educação e da Saúde em 1930, provocando uma autêntica reestruturação no sistema educacional brasileiro, com destaque para a educação profissional, que instituiu a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, ampliando os espaços para a consolidação da estrutura do ensino profissional no Brasil.
O ensino industrial foi de fundamental importância no processo de desenvolvimento verificado a partir de 1930. Foi decisivo na formação de mão-de-obra, podendo ser dividido em dois ramos: um abrangia a aprendizagem que estava sob controle patrona, ligado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI -, e outro sob a responsabilidade direta do Ministério da Educação e Saúde, constituído pelo ensino industrial básico.
O SENAI oferecia cursos de curta duração, preparando os aprendizes menores para se inserirem nas indústrias e cursos de formação continuada para trabalhadores não sujeitos à aprendizagem. O decreto 4.048/42 estabelecia que a sua manutenção seria feita pelos estabelecimentos industriais, obrigados a fazer uma contribuição mensal para as escolas de aprendizagem, e o 4.481/42, obrigava as empresas do ramo industrial a custear os cursos e manter em seus quadros 8% de menores aprendizes do total dos operários; a empresas deveriam também matriculá-los em suas escolas, com freqüência obrigatória. A prioridade era dada aos filhos de operários empregados nos estabelecimentos industriais; aos irmãos dos operários que atuavam nas indústrias; e aos órfãos cujos pais estiveram vinculados ao ramo industrial.
O sistema oficial foi estruturado por Gustavo Capanema, que estava à frente do Ministério da Educação e Saúde durante o Governo de Getúlio Vargas, período do Estado Novo. A Lei Orgânica do Ensino Industrial de 30 de janeiro de 1942 organizou o ensino industrial básico em dois ciclos: o fundamental, ministrado em três ou quatro anos, e também o ciclo básico, que abrangia o curso de mestria de dois anos; e o segundo ciclo, com duração de três a quatro anos, destinando-se à formação de técnicos industriais. Era oferecido nesse ciclo o curso de formação pedagógica, objetivando habilitar professores para lecionar no ramo industrial.
Apesar de ter aspectos positivos na sua organização, esse formato de ensino apresentava falhas, como a falta de flexibilidade entre os vários ramos do ensino profissional e entre estes e o ensino secundário, visto que os alunos formados nos cursos técnicos só podiam se inscrever nos vestibulares dos cursos relacionados diretamente aos estudos por eles realizados.
Com a queda do estado Novo os pioneiros da educação lutaram para a introduzir mudanças na Lei Orgânica do Ensino Industrial, buscando dois objetivos: equivalência entre os ramos de ensino profissional e secundário e a eliminação da dualidade, uma vez que este era marginalizado em relação à educação secundária desde o período colonial, já que o primeiro era destinado a formar indivíduos para o trabalho manual, e osegundo era destinado às elites.
Em 1950, a Lei 1.076 permitia aos estudantes que concluíssem o primeiro ciclo do ensino industrial, comercial e agrícola ingressarem no curso clássico ou científico, desde que prestassem exame das disciplinas não estudadas naqueles cursos e compreendidas no primeiro ciclo do secundário. Em 1953, a Lei 1.821 facultava o direito de ingressar em qualquer curso superior todos os alunos que tivessem concluído o ensino técnico em qualquer ramo – industrial, comercial ou agrícola – desde que prestassem exames de adaptação.
A lei 4.024/1961 permite o ingresso em qualquer curso do ensino superior para qualquer aluno que tivesse concluído o secundário ou profissional, visto que sua estrutura previa um modelo de ensino médio dividido em dois ciclos: o ginasial de quatro anos e o colegial de três anos, ambos compreendendo o ensino profissional. Essa Lei também estendeu ao SENAI a possibilidade de instituir a mesma organização que estava prevista no sistema público de ensino.
A equivalência estabelecida pela Lei não conseguiu superar a dualidade, já que continuaram duas redes de ensino, e o ensino secundário continuou com o privilégio de ser reconhecido socialmente. Permaneceu a tendência da sociedade de continuar colocando as funções ligadas ao trabalho manual em segundo plano. Dez anos depois, o governo militar substituiu a equivalência entre os ramos secundário e propedêutico pela habilitação profissional compulsória, com a aprovação da Lei 5.692/71.
Essa reforma não produziu nem a profissionalização nem o ensino propedêutico, visto o fracasso da política educacional imposta pelo regime militar. A falta de recursos materiais e humanos para a manutenção de uma extensa rede de escolas; a resistência dos empresários em admitir nos quadro de suas empresas os profissionais oriundos dos cursos de segundo grau foram alguns do fatores que contribuíram para o fracasso do ensino de segundo grau profissionalizante.
A dualidade se mantinha, só que seus determinantes estavam presentes nas estrutura de classes, na medida em que o trabalhador instrumental não chegava ao segundo grau:era excluído da escola muito antes, devido aos altos índices de evasão e repetência que caracterizavam e caracterizam a escola de primeiro grau, principalmente na população de baixa renda.
Quanto aos cursos técnico-industriais, promovidos pelas Escolas Industrais da rede federal, a partir de 1971 consolidou-se a desativação dos cursos industriais de primeiro ciclo, e se transformaram em Escolas Técnicas Federais, sendo que em algumas foram implantados os cursos superiores de engenharia, convertendo-se nos Centros Federais de Educação Tecnológica.
As Escolas Técnicas Federais, ao contrário do fracasso do ensino profissionalizante, tinham grande prestígio junto aos empresários. Grande parte dos técnicos formados por ela era absorvidos, quase que sem restrições, pelas grandes empresas privadas ou estatais. Pelo seu alto padrão de ensino, houve um grande crescimento nas matriculas, o que levou a serem postos anualmente no mercado de trabalho milhares de técnicos, provocando uma saturação do mesmo. Até o estágio anteriormente bem remunerado, ficou quase que impossível de se conseguir, mesmo aqueles sem ônus às empresas.
A década de 80 demarca uma nova era no quadro institucional brasileiro com a redemocratização do país, concretizada em 1985, com a saída dos militares do poder e a entrada de José Sarney, iniciando a transição democrática.
Até meados da década de 90 intensificaram-se os debates acerca das mudanças de rumo que deveriam ser dadas à educação. Esses debates foram feitos por grupos compostos pelas diversa correntes do pensamento educacional; a disputa entre eles girava em torno das concepções políticas que viessem a nortear a nova estrutura do então ensino de segundo grau e da educação profissional, cujo conteúdo a ser discutido estava expresso no Projeto de Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que deu entrada no Congresso Nacional em 1988.
A LDB, aprovada sob o número 9.394 em 20 de dezembro de 1996 apresenta o ensino médio como a etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos e tem como uma das finalidades o aprofundamento do ensino fundamental, possibilitando aqueles que concluírem o curso ingressar no nível superior. A diretriz que prevê que “atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas” possibilita ao aluno que faz o ensino médio fazer a opção pela carreira de técnico-profissional.
O decreto 2.208/77 regula a educação profissional, que passa a se integrar ás diferentes formas de educação e trabalho, á ciência e à tecnologia, para atender ao aluno matriculado ou egresso do ensino básico, do nível superior, bem com os trabalhadores em geral. Dessa forma, a estrutura da educação profissional passa a se constituir do nível básico, que se destina à qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente da escolaridade prévia; do nível técnico, destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos egressos do ensino médio; e tecnológico, que corresponde aos cursos de nível superior na área tecnológica, destinados aos alunos oriundos do ensino médio e técnico. O ensino técnico passa a ter apenas o caráter de complementar o ensino médio, visto que a certificação, em qualquer habilitação, só será possível mediante a conclusão da etapa final da educação básica.
O aluno pode também cursar o ensino médio em um estabelecimento e, concomitantemente, cursar a parte específica da formação técnica em uma instituição que ofereça o ensino profissional, inclusive as Escolas Técnicas Federais, que, a partir da reforma, tendem a modificar seu perfil com a extinção da parte da formação geral oferecida nos seus cursos técnicos.
Embora proporcione uma articulação entre o ensino médio e a educação profissional, essa estrutura recompõe a dualidade e rompe com a equivalência, uma vez que legalmente, se configura como um sistema paralelo.
A educação profissional passou por modificações que procuraram se adequar ao desenvolvimento industrial brasileiro.
Vemos que as políticas para jovens e adultos e para o ensino profissionalizante não se diferenciam quanto ao seu caráter discriminatório, e, na maioria do tempo, assistencialista.
O decreto Federal nº 5.840, de 13 de julho de 2006, institui o Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, que “revela a decisão governamental de atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio, da qual, em geral, são excluídos, bem como, em muitas situações, do próprio ensino médio”. (Documento Base PROEJA, 2006).
O desafio imposto para a EJA na atualidade se constitui em reconhecer o direito do jovem/adulto de ser sujeito; mudar radicalmente a maneira como a EJA é concebida e praticada; buscar novas metodologias, considerando os interesses dos jovens e adultos; pensar novas formas de EJA articuladas com o mundo do trabalho; investir seriamente na formação de educadores; e renovar o currículo – interdisciplinar e transversal, entre outras ações.
Quanto à profissionalização, especificamente, qualificar a força de trabalho de acordo com as exigências das novas ocupações que se apresentam na produção, atendendo as complexidades que a tecnologia impõe no mundo de trabalho atual dentro de uma perspectiva humanista, inclusiva.
Os debates acerca do Programa estão acontecendo em todo Brasil, com vistas a efetivar sua implementação. O que se espera é que essa integração se realize, de forma que a EJA e o ensino profissionalizante passem a constituir um direito, e não um favor prestado em função da disposição dos governos, da sociedade ou dos empresários.
REFERÊNCIAS
_______. Congresso Nacional. Decreto 5.840, de 13 de julho de 2006.
_______. Ministério da Educação. Documento Base PROEJA. Brasília: MEC, 2006.
_______. Congresso Nacional. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 20 de dezembro de 1996.
LOPES, Eliana Marta. 500 anos de educação no Brasil. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
STEPHANOU, M; BASTOS, M.H.C. História e Memórias da Educação no Brasil-Século XX. Petrópolis, Vozes, 2005.
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